A vida é um ciclo. Nascemos, crescemos, envelhecemos e morremos. Amanhece só para chegar o entardecer e cair a noite. As estações dão lugar uma a outra, começando na primavera quando tudo germina, para o inverno, onde tudo hiberna para descansar e ficar pronto para a nova primavera. O Cristo nasce, vive, morre e ressuscita na sexta-feira da paixão para dar lugar a uma nova vida no Pentecostes. Toda a Criação segue esse fluxo, queiramos ou não.
Mesmo nos tempos modernos, com toda a tecnologia à nossa volta invadindo e ocupando o espaço da Natureza, nos vemos intrinsecamente ligados aos ciclos. Afinal, vivemos no Tempo, e o Tempo é cíclico. Por que estou batendo nessa tecla? Porque volta e meia me pego no meio do ciclo, em choque, tentando transformá-lo numa linha reta, como manda a cartilha do Descartes (filósofo francês, 1596-1650 – ‘penso, logo existo’). Tudo na vida tem uma explicação lógica e correlata entre ações e reações. Ok, também acredito que tudo que fazemos traz uma consequência, mesmo nas mínimas decisões em que não prestamos atenção. O Velho Testamento diz: aqui se faz, aqui se paga. O Novo Testamento: aqui se faz, nos céus recebereis. Mas uma linha reta, ponto A ligando a ponto B?
Não sei… Pessoalmente acho a linha reta meio sem graça… O ciclo permite os altos e baixos, um movimento… tudo bem, eu sei – muitas vezes queremos a simplicidade de linha reta – saber da onde estamos partindo e aonde vamos chegar. O mundo seria bem mais simples, não?
O ciclo é representado na geometria por uma esfera. Esfera essa que delimita o que está dentro do que está fora.
Toda limitação por definição é ruim. Mas será? O que é uma reta e o que é um círculo? Aonde estamos nessa geometria de Deus? Podemos todos nos encaixar em perfis pré-determinados ou podemos transformá-los? No círculo, precisamos necessariamente estar dentro ou podemos pensar “fora da caixa”?
No último encontro dos poetas do Bronx, o tema que surgiu em vários poemas foi o ciclo. A começar pela primeira paixão, o primeiro amor. O coração que para só de pensar na pessoa amada, a pele arrepiada e o frio na barriga. O mundo se resume a essa pessoa e sem ela, não existe. Para os que já tinham passado dos extremos da adolescência e esquecido a violência desses sentimentos, foi uma deliciosa viagem no tempo. Mas o que mais me marcou foi o poema de uma ex-aluna, mãe nos seus vinte e poucos anos falando sobre a crise de asma do filho pequeno, no meio da sua noite “livre” com as amigas. No meio de tantas histórias onde pais esquecem qual o seu papel na formação de um novo ser humano, onde filhos perdem – por mais que tentem manter – o respeito pelos pais, foi bom ouvir e acompanhar a quebra de um ciclo e a criação de um novo.
Ela vem de uma família de gerações onde as mulheres engravidam cedo, são mães solteiras/ sozinhas, renegam os filhos e viram contra eles toda a sua raiva e frustração do mundo. Falando em ciclos, segundo as Leis Espirituais, seremos tratados por nossos filhos como tratamos nossos pais. Karina quebrou o ciclo. Ela não ia repetir com o seu filho os mesmos erros da sua mãe e avó. Cometerá outros, claro. Mas ela está decidida a ver o seu filho como uma bênção e tratá-lo como tal – com toda a atenção e carinho necessários para que ele possa se desenvolver dentro de um ambiente seguro de amor. Para os adolescentes é uma prova viva do amor de mãe, sacrifícios que se fazem necessários diariamente, e mais que tudo, um exemplo de como escolhemos viver e contar nossa história. É uma oportunidade para vivenciarem os obstáculos e recompensas, para se quebrar um ciclo vicioso e começar um novo.
Quebrar o ciclo. Como fazemos isso? Muitas vezes nos vemos presos a situações e costumamos dizer que “eles” querem assim ou são assim, ou qualquer outra desculpa. “Eles” quem, cara pálida? Nós. Nós continuamos no mesmo círculo ou mudamos de círculo. Nós acreditamos na nossa aliança com Deus, ou não. Nós fazemos a nossa parte, acreditando que Ele fará a dele, ou acreditamos que a nossa sorte está nas mãos de sei lá quem ou o quê. A Karina tomou para si, a sua responsabilidade. Ela assumiu o compromisso de não repetir os erros da sua mãe que tanto interferiram na sua vida. Está tentando alguma coisa nova, diferente. Encontra pela frente o desconhecido, o medo de fracassar, o desconforto de não saber que caminho seguir, o que é certo e o que errado… mas continua tentando.
Seu filho agradece. Com certeza, ela muitas vezes gostaria de ter um Manual de Mãe. Daqueles que no final tem uma seção de solução de problemas, organizado em ordem alfabética. Quem não gostaria de um desses?
Quebrar o ciclo e recomeçar um novo não é fácil. Requer muito esforço e coragem. Não necessariamente é sempre melhor. É uma tentativa de acertos e erros. Mas como tudo o que é difícil, recompensa. Karina e seu filho estão no começo de uma viagem cheia de descobertas, com pedras no caminho e atalhos. Como será o final dessa história/poema, só Deus sabe e o Tempo dirá.
Cada um de nós vive esse dilema constantemente: continuamos na mesma trilha ou mudamos a direção? Vida profissional, afetiva, relacionamentos… Como garantir que tomamos a decisão certa? Como fazer essa decisão?
Muitas vezes precisamos pular, sem saber o que está embaixo. O que nos impede ou nos impele? Seguimos na trilha de outros ou nos aventuramos por novas? Mudar é sempre a resposta?
Muitas vezes seguimos pela vida como Zeca Pagodinho – “deixa a Vida me levar”. Não paramos para refletir um minuto sobre o que está nos levando nessa direção: vontade, medo, curiosidade, insatisfação, satisfação… Entender o que nos leva a nos comportar de tal maneira é meio passo para entendermos nossa vida e fazermos nossas escolhas.