ABUTRES E FERROS-VELHOS

Logo na entrada o mato tomava conta, crescendo pelas paredes, por entre o paralelepípedo, ocupando um espaço que não era seu, mas… agora era. Um cacho de uva mantinha-se vivo como o último guerreiro na parreira quase morta que em outra época oferecia sua sombra e suas uvas para um momento de descanso, talvez quem sabe a mesa do almoço?

No prédio em forma de U podia-se vislumbrar o que um dia foi uma grande construtora nos anos 80/90, cheia de vida, gente entrando e saindo. Pressa e organização. No galpão de obra ainda vemos a caixa para os óculos de obra e a caneca de um dos engenheiros a frente de algum projeto. Nos escritórios, um dia elegantes e confortáveis, apenas desordem e descaso. Plantas de projetos espalhadas pelo chão. Num canto a foto emoldurada da equipe que provavelmente ganhou algum prémio de resultado. Todos sorrindo e orgulhosos de si. De seu trabalho.

Uma empresa que provavelmente começou pequena, com uma pequena obra aqui e outra ali e foi se desenvolvendo e crescendo. Expandindo até ser uma das grandes do Rio de Janeiro. Hoje, uma massa falida, sem vida. Não conheço a história para saber porque faliu, mas não vem ao caso. Decisões gerenciais erradas, um passo maior que a perna, crise econômica e/ou política, que não são uma raridade num país que não favorece a empresas e empregadores. Com certeza não foi um só motivo, e sim, uma série de passos na direção errada. Resultado: o sonho de uma vida aniquilado provavelmente no auge do sucesso, milhares de funcionários na rua. Sonhos desfeitos. O encarregado do prédio abandonado trabalhou 29 anos na empresa – Foi muito difícil voltar e ver isso aqui assim. É de partir do coração. Passei minha vida aqui.

Não conhecia nem a empresa, nem os fundadores. Fui parar lá por obra do acaso atrás de luminárias industriais para a escola mas, infelizmente, cheguei tarde. As luminárias já tinham ido embora no dia anterior. Consegui algumas mesas, prateleiras e um armário. Andando pelo espaço atrás de móveis que fossem úteis para a escola, me vi criando uma história para aquele espaço, imaginando as pessoas chegando pela manhã para trabalhar, as rodinhas de cafezinho nos intervalos… Hoje o espaço estava ocupado pela equipe do ferro velho trabalhando com um guindaste para levantar o maquinário pesado de ferro e colocar tudo o que era possível num contêiner, e outra equipe de uma loja de revenda de demolição atrás de peças garimpadas para serem revendidas e descobrirem novos usos em salas moderninhas ou mesmo restaurantes e lojas espalhados pela cidade. Tudo precisava sair do espaço até sábado quando uma construtora atual tomaria posse do terreno para levantar um empreendimento imobiliário. É a vida que segue…

Andando por aquele espaço abandonado, mas cheio de sinais de pessoas que passaram por ali, esbarrando nas equipes que tem por profissão arrematar os escombros de uma vida, não pude evitar pensar em abutres e vida humana. Sim. Abutres. Sobrevoando a morte eminente para se deliciar com a carniça, e continuar o ciclo da vida. Nada contra os abutres, eles fazem parte da cadeia natural, mas dá um pouco de agonia quando pensamos na vida humana lutando por um pouco mais de tempo e eles lá, fortes e pacientes. Tem uma fotografia famosa dos anos 90 que retrata uma criança africana, esquelética, a beira da morte, toda encolhida, e um abutre enorme, muito perto dela, só esperando. Essa foto obrigou o mundo a ver o que se passava na África e dar um passo em sua direção. Foi um divisor de águas, mas o fotógrafo – Kevin Carter, não aguentou viver muito mais com essa e outras imagens na cabeça e acabou se suicidando aos 33 anos. Para Carter o que ele fazia, assim como o restante do mundo, não era suficiente para transformar a sociedade. A África continua sofrendo mazelas que o mundo Ocidental finge não ver…

Não dá para ir a um espaço como esse, cheio de histórias e falido, e não viajar nos pensamentos. Assim como empresas entram em processo de falência por má gerência, assim também o ser humano. Muitas vezes somos levados pelas circunstâncias da vida; damos passos maiores que as pernas; fazemos investimentos altos aonde, lá no íntimo, sabemos que não temos como ter retorno; esquecemos de dar atenção aos feedbacks que recebemos das pessoas ao nosso redor e, continuamos seguindo na direção errada até não ter mais volta. Em resumo, é uma série de ações que decidimos tomar no dia-a-dia que nos coloca nesse lugar desconfortável. Assim como também, quando reconhecemos logo que estamos na rota errada e, estamos pré-dispostos a mudar a direção, nos recolocamos no caminho certo, evitando bater no fundo. Mais uma vez: nossa escolha.

agmalta_-5178Só que quando uma pessoa entra em falência, é muito mais duro e difícil que uma empresa. Uma pessoa, é uma vida que não pode ser desperdiçada. Não estou falando aqui em falência financeira, claro. Essa é complicada, mas tem soluções práticas que seguindo a cartilha geralmente dá para resolver. A falência aqui em questão é a espiritual, a emocional. Essa sim, a grande falência do ser humano. Quando não estamos equilibrados emocionalmente, parece que o resto sai do trilho. A imunidade cai, abrindo caminho para doenças e o corpo parece que vai desmoronar de tão pesado. A depressão e suas amigas, tristeza e melancolia, tomam conta da pessoa, impedindo-a de ver as belezas da vida, de sentir alegria por pequenas coisas. O espírito é o último a se entregar, mas invariavelmente acaba se entregando. Afinal, se tudo dá errado na minha vida, se só acontece desgraça, se da hora que eu acordo a hora que vou dormir só penso nos problemas e dificuldades da vida, que por sinal escolhi viver, mas isso é um detalhe, só pode ter um responsável: Deus. Quem mais? A pessoa quando está nesse lugar – sem esperança, sem força, sem ânimo, ela está falida. E como uma massa falida também atrai os abutres da vez. Só uma ação conjunta para tirá-la desse lugar. Um passo de cada vez. Não existe soluções fáceis, manual universal que sirva para todos. É um longo processo, customizado, que exige perseverança e disciplina. Duas qualidades em baixa hoje no mercado. E sem garantias de sucesso.

Talvez essa coluna tenha ficado um pouco para baixo, mas é inevitável pensar nessas coisas quando se depara-se com uma massa falida. É triste. É um sinal vermelho. ATENÇÃO! Não deixe-se chegar até aqui. Preste atenção a sua vida. Como está vivendo? Precisa mexer no curso, dar uma guinada ou um leve retorno? A estrada a frente está aberta? Cuidado com os atalhos! Muitos levam na direção contraria que se quer… Entre as muitas questões e dúvidas, uma certeza: a vida que vivemos é a vida que escolhemos viver. Está ao nosso alcance seguir no rumo em que estamos, ou mudar a rota. Todo dia. Se convidamos ou não Deus para participar dessa viagem. Se tomamos esperança e amor no café da manhã, ou não. Decisões pessoais e intransferíveis.

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