O mundo atual usa e abusa do conceito de liberdade: liberdade de expressão, liberdade de crença, liberdade sexual, liberdade de ser o que quiser, quando quiser. Ao mesmo tempo em que se debate a ortodoxia da Igreja. Talvez o mundo moderno, tão preocupado com a liberdade, esqueceu-se que quem cunhou o termo livre-arbítrio pela primeira vez foi a Igreja, Santo Agostinho, século 4 d.C.
O livre-arbítrio, ao meu ver, foi uma das grandes contribuições da Igreja para a cultura ocidental. Antes dele as pessoas se entregavam a roda da fortuna, e nada podiam fazer a respeito. O destino já estava marcado.
A partir do livre-arbítrio o ser humano passou a fazer opções e exercer o direito de escolha.
Nossas vidas são resultado de nossas escolhas diárias, desde acordar até o que comemos no jantar. Falando assim parece uma coisa simples, básica, mas quando paramos para refletir nos damos conta do presente que Deus nos deu e também da responsabilidade intrínseca que isso implica: liberdade plena.
Vivemos em um mundo livre. Hoje qualquer ato contra a liberdade é considerado ilegal ou no mínimo preconceituoso. Tudo no mundo gira em torno de opções. Opções de trabalho, opções de namorados, maridos, amigos, roupas, viagens, corpo e… até mesmo, a maneira como temos filhos. E o que fazemos com tantas opções, que teoricamente seriam o paraíso da liberdade? Para alguns estudiosos, como Bauman (sociólogo polonês), elas geram insegurança, ansiedade e apatia. Falamos muito em sermos livres, mas quantas pessoas conhecemos que realmente exercem o seu poder de escolha e liberdade? Eu confesso que não conheço muitas, a começar por mim, que já abri mão da minha algumas vezes. Ser livre pressupõe responsabilidade e arcar com as consequências. Muitas vezes estamos tão cansados que não queremos fazer mais escolhas. Queremos alguém para fazê-las por nós assumindo todo o ônus da decisão. Atire a primeira pedra quem nunca abriu mão da liberdade! Todos nós queremos viver a liberdade… mas nem sempre queremos pagar o preço.
Quando esbarramos em momentos em que a vida não está fácil, ou não é como nós a imaginamos, logo procuramos um culpado e quase sempre acaba sobrando para Deus. E nós? Qual o nosso papel? O de fantoches do destino ou de ator principal? E a nossa tão proclamada liberdade, onde está?
Em rodas de amigos vejo muitos reclamando da vida e, invariavelmente, responsabilizando alguém pelas mazelas: sejam pais, maridos/esposas, filhos… e mesmo Deus.
Eu já me vi muitas vezes reclamando com Deus da minha vida. “Como isso podia estar acontecendo?” “Como Ele tinha deixado acontecer?” Até o momento em que encontrei Santo Agostinho e o livre-arbítrio. Como foi libertador! Mas também um grande peso, uma vez que a minha vida é opção minha. Se a graça de Deus entra na minha vida é porque dei espaço, e se não entra … é porque não dei espaço. Simples, mas dificílimo de viver no dia-a-dia. A única responsável sou eu mesma, mas não como os iluministas lá atrás que acreditavam que o homem era o centro de mundo e, sim, porque o homem tem o livre-arbítrio para escolher o seu caminho e a parceria com Deus… ou não. É uma questão de escolha. Deus não se impõe a nós.
Ele é nosso parceiro de vida. Se não estou satisfeita com a minha vida, em última instância, é a vida que escolhi viver, as opções diárias que faço. Se não estou gostando depende de mim mudar e deixar que as bênçãos de Deus caiam sobre mim e que minha vida seja um reflexo da minha alma, parceira de Deus. AH! AH! Pegadinha! Conhecer a própria alma! Quantos de nós estamos em contato com o mais profundo do nosso ser? Ok., vamos a missa todo domingo, rezamos a noite, seguimos a cartilha dos católicos, mas realmente quantos de nós reserva um tempo para ficar em silêncio e tentar se conhecer e experimentar um momento íntimo com Deus? Para alguns esse momento é no terço, para outros caminhando ou lavando a louça. Não importa como estamos tendo esse encontro, mas, se estamos tendo.
Ao longo dos meses temos visto aqui na coluna mulheres que chamam para si a responsabilidade de suas vidas e famílias. No mês passado vimos o exemplo da Angela, que mudou a sua vida e de sua família ao reconhecer que dependia dela a mudança. E mudou. Escolheu um novo caminho e seguiu firme confiando em Deus. Talvez fosse mais fácil permanecer no lugar confortável do conhecido e continuar reclamando com Deus que a vida não estava lá grandes coisas. Mas não. Ela escolheu o caminho mais difícil, mas colheu o que plantou – boas sementes. Falando em sementes Dom Cipriano em uma de seus palestras no Teatro dos Quatro, no Rio de Janeiro, falou em três leis divinas a serem seguidas:
1) honrar pai e mãe;
2) colher o que plantarmos;
3) colhermos as sementes que plantamos multiplicadas. O que elas tem em comum? Todas são opções que fazemos diariamente, por livre escolha.
Muitas vezes, por medo que nossas escolhas não sejam as melhores, nos recolhemos e seguimos por trilhas já abertas, mapeadas por outros, teoricamente mais seguras. Trocamos a nossa liberdade de ser, pela segurança do já conhecido. Mas quem garante o resultado final lá na frente? Será que estaremos satisfeitos e realizados? Não sei. É um caminho mais fácil? Talvez.
O melhor? Provavelmente não. O que sei é que tudo é uma opção que fazemos, e não devemos dar a outros a soberania sobre nossas vidas, porque no fim quem irá arcar com as consequências somos nós mesmos. E no acerto de contas final, de nada vai adiantar passar a culpa a diante. O tempo não volta atrás para vivermos nossa história novamente de um modo diferente, ou, o que muitas vezes acreditamos, que o futuro estará nos esperando para viver aquela história que abrimos mão de viver hoje. Não vai servir de consolo pensarmos o que poderia ter sido diferente, porque tudo pode ser sempre diferente, mas por enquanto ainda somos um só corpo e uma só alma, ocupando um só espaço no tempo. Obrigatoriamente precisamos fazer opções e deixar passar outras tantas. A questão que não quer calar é: como fazemos essas escolhas sem sofrer pelo que abrimos mão?
Acredito que pela fé e pela consciência do livre-arbítrio. Ambos são escolhas e opções diárias que fazemos. Pela fé acreditamos que Deus é nosso parceiro e quer derramar suas bênçãos em nossas vidas, e pelo livre-arbítrio permitimos que Deus seja nosso parceiro e derrame suas bênçãos em nossas vidas. A cada dia, a cada escolha que fizermos, faremos conscientemente e pela fé.
Nossas escolhas serão reflexos de nossas almas. O que pode ser mais apaziguador que a vida ser nossa alma em atos? Se tenho um sonho para a velhice é olhar para trás, ver o caminho trilhado e não me arrepender das escolhas que deixei passar. Me reconhecer em cada escolha feita. Assim vou saber que fui fiel a Deus e a sua obra-prima, que é a minha vida… e poderei dizer que combati o bom combate, assim como São Paulo.