A cura do cego de nascença nos toca no íntimo, porque em certo sentido todos somos… cegos de nascimento. O mundo mesmo nasceu cego. Segundo o que nos diz a ciência, hoje, durante milhões de anos há vida sobre a Terra, contudo era uma vida em estado de cegueira, não havia sequer um olho para ver, não existia a visão mesma. O olho, em sua complexidade e perfeição, é uma das funções que se formam mais lentamente. Esta situação se reproduz na vida de cada Homem. A criança nasce, se bem que não propriamente cega, mas incapaz de distinguir a forma das coisas. Somente depois de semanas começa a focá-las. Se a criança pudesse expressar o que experimenta quando começa a ver claramente o rosto de sua mãe, das pessoas, as coisas, as cores, quantos “Oh” de maravilha se ouviria! Que hino à luz e à vista! Ver é um verdadeiro milagre, mas não lhe prestamos atenção porque estamos acostumados e não nos damos conta. Então é aqui que Deus às vezes atua de forma repentina, extraordinária, a fim de sacudir-nos de nossa distração e tornar-nos atentos. Foi o que fez na cura do cego de nascença e de outros cegos no Evangelho.
Mas foi para isto que Jesus curou o cego de nascença? Em outro sentido nascemos cegos. Há outros olhos que ainda devem se abrir ao mundo, além dos olhos físicos: os olhos da fé! Permitem vislumbrar outro mundo, além do que vemos com os olhos do corpo: o mundo de Deus, da vida eterna, o mundo do Evangelho, o mundo que não termina nem sequer… com o fim do mundo.
Eis o que Jesus nos quis recordar com a cura do cego de nascença. Em primeiro lugar, ele envia o jovem cego à piscina de Siloé. Com isso, Jesus queria significar que estes olhos diferentes, os da fé, começam a abrir no Batismo, quando recebemos precisamente o dom da fé. Por isso, na antiguidade o Batismo chamava-se também “iluminação” e estar batizados se dizia “ter sido iluminado”.
Em nosso caso não se trata crer genericamente em Deus, mas de crer em Cristo. O episódio serve ao evangelista para mostrar-nos como se chega a uma fé plena e madura no Filho de Deus. A recuperação da vista para o cego tem lugar, de fato, ao mesmo tempo que sua descoberta de quem é Jesus. A princípio, para o cego, Jesus não é mais que um homem: “Aquele homem que se chama Jesus, fez lodo…”. Mais tarde, a pergunta: “Que dizes tu daquele que te abriu os olhos?”, respondeu: “É um profeta”. Deu um passo à frente; entendeu que Jesus é um enviado de Deus, que fala e age em nome Dele. Finalmente, encontrando de novo Jesus, grita: “Creio, Senhor”, e prostra-se diante dele para adorá-lo, reconhecendo-o assim, abertamente, como seu Senhor e seu Deus.
Ao descobrirmos com tantos detalhes tudo isto, é como se o evangelista João nos convidasse muito discretamente a refletirmos a questão: “E eu, em que ponto estou deste caminho? Quem é Jesus de Nazaré para mim?”. Que Jesus é um homem ninguém nega o fato. Que seja um profeta, um enviado de Deus, também admite-se quase universalmente. Mas muitos se detêm aqui. Mas não é suficiente. Um muçulmano, se é coerente com o que está escrito no Corão, reconhece igualmente que Jesus é um profeta. Mas não se considera um cristão. O salto mediante o qual se passa a ser cristão, no sentido próprio, é quando se proclama, como o cego de nascença, Jesus “Senhor” e o adoramos como Deus. A fé cristã não é primariamente crer em ALGO (que Deus existe, que é algo muito além), mas crer em ALGUÉM. Jesus no Evangelho não nos dá uma lista de coisas para crer; disse: “Crê em Deus; crê também em mim” (Jo 14,1). Em nosso caso não se trata crer genericamente em Deus, mas de crer em Cristo.
Por isso é fundamental manifestarmos claramente ao mundo o Senhorio de Jesus sobre nossa vida, nossa casa, nosso trabalho e nossos relacionamentos. Esta é a forma de evitarmos a intromissão do maligno em nossa vida.
Por Frei Raniero Cantalamessa, OFMCAP